quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Castelo de Vidro

Nunca acreditei em Papai Noel. Nenhum de meus irmãos acreditava. Mamãe e papai se recusaram a nos deixar acreditar. Eles não tinham condições de comprar presentes caros e não queriam que nós pensássemos que não éramos tão bons como todas as outras crianças que, na manhã de Natal, encontravam todo tipo de brinquedos bacanas debaixo da árvore, que eram, supostamente, deixados lá pelo Papai Noel. Então, eles nos contaram que as outras crianças eram enganadas pelos pais, que os brinquedos que os adultos diziam serem feitos por duendes que usavam chapeuzinhos com guizos em um ateliê no pólo Norte tinham, na verdade, etiquetas onde estava escrito "Made in Japan". — Tentem não desprezar essas outras crianças — dizia mamãe. — Não é culpa delas se elas sofreram uma lavagem cerebral pra acreditar nesses mitos bobos. Comemorávamos o Natal, mas, geralmente, uma semana depois de 25 de dezembro, quando se encontravam laços de fita e papel de embrulho em perfeito estado que as pessoas tinham jogado fora, e árvores de Natal largadas ao longo dos acostamentos das estradas que ainda tinham a maior parte das folhas e, algumas, até enfeites prateados agarrados aos galhos. Mamãe e papai davam de presente um saquinho de bola de gude, ou uma boneca, ou um estilingue, que tinham encontrado na liquidação de Natal. Naquele ano, papai perdeu o emprego na mina de gesso depois de brigar com um chefe, e, quando chegou o Natal, nós não tínhamos nem um centavo. Na véspera de Natal, papai nos levou para passear de noite no deserto, um de cada vez. Eu estava enrolada em um cobertor e, na minha vez, eu quis dividi-lo com o papai, mas ele disse "não, obrigado". O frio nunca o incomodava. Eu tinha feito cinco anos, e sentei do lado dele, e nós olhamos para cima, para o céu. Papai adorava falar sobre as estrelas. Ele explicava como elas orbitavam pelo céu noturno enquanto a Terra girava. Ele nos ensinou como identificar as constelações e navegar pela estrela Polar. Aquelas estrelas brilhantes, ele insistia sempre, eram uma das melhores coisas que existiam para gente como nós, que vivia na natureza. Os caras ricos da cidade, dizia, moravam em apartamentos chiques, mas o ar deles era tão poluído que eles nem conseguiam ver as estrelas. A gente teria que estar completamente maluco para querer trocar de lugar com eles. — Escolhe a tua estrela favorita — disse ele naquela noite. Ele disse que eu podia ficar com ela para mim. Ele disse que era o meu presente de Natal. — Você não pode me dar uma estrela! — falei. — Ninguém é dono de uma estrela. — É isso aí — disse ele. — Nenhuma outra pessoa tem uma estrela. Basta você declarar que tem antes dos outros, que nem aquele carcamano do Cristóvão Colombo, que declarou que a América era da rainha Isabel. Declarar que uma estrela é tua tem a mesma lógica. Pensei bem e cheguei à conclusão de que o papai estava certo. Ele sempre descobria umas coisas assim. Eu podia ter qualquer estrela que quisesse, disse, menos Betelgeuse e Rigel, porque a Lori e o Brian já tinham declarado que elas eram deles. Levantei os olhos, olhei as estrelas e tentei decidir qual era a melhor de todas. Dava para ver centenas, talvez milhares ou, até, milhões, brilhando no céu claro do deserto. Quanto mais tempo você olhava, mais os olhos se acostumavam ao escuro, mais estrelas você enxergava, camada por camada tornando-se visível. Havia uma em particular, a oeste, sobre as montanhas, mas baixa no céu, que brilhava com mais força do que todas as outras. — Quero aquela — falei. Papai sorriu. — Aquele é Vênus — disse ele. — Vênus é apenas um planeta bem chinfrim se comparado às estrelas de verdade. Ele parece maior e mais brilhante porque está muito mais perto do que as estrelas. O pobrezinho de Vênus nem produz sua própria luz. É iluminado, não luminoso, só brilha porque reflete a luz. — Ele me explicou que os planetas brilhavam porque a luz refletida era constante, e que as estrelas brilhavam porque a sua luz pulsava. — Gosto dele mesmo assim — falei. Eu já admirava Vênus, mesmo antes daquele Natal. Dava para vê-lo já nas horas iniciais da noite, cintilando no horizonte, a oeste. E, se você levantasse cedo, ainda podia vê-lo de manhã, depois que todas as estrelas já tinham desaparecido. — Ora bolas — disse papai. — É Natal. Você pode ter um planeta se quiser.